Sérgio Siqueira Blog

Sérgio Siqueira - Jornalista como todo mundo e publicitário como qualquer um.

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Local: Brasília, Distrito Federal, Brazil

Brasileiro, jornalista,viciado em liberdade de credo, pensamento e expressão.

9.10.07

FELIZES, PARA SEMPRE
Ensaio de uma peça pregada em um único ato
Sérgio Siqueira
Sabe-se lá porque cargas d’água, ele resolveu chegar mais cedo em casa naquela sexta-feira. Deixou o happy hour pra lá e, quase à hora crepuscular, já estava no seu lar, doce lar. Planejava um bom banho de espuma com sua Mônica. Todo mundo tem a sua: Clinton, Maurício de Souza, Renan. Pois o Doutor também tinha. Mais que o banho ele trazia algo em mente - quem sabe até a doce aventura de um uisquinho antes e um cigarrinho depois.

Subiu as escadarias de mármore do casarão e foi direto para o quarto do casal. A dois passos da porta sofreu um sobressalto ao deparar com a figura de um homem jovem e musculoso que, todo suado e arfante saía do aposento. Logo se recuperou. Era Felício, o jardineiro que nas horas vagas cumpria pequenas tarefas caseiras: encomendas, recados, compras no supermercado, limpeza de janelas, curtos circuitos, troca de lâmpadas. Até como motorista, mordomo e laranja Felício já demostrara qualidades.

- Ei, Felício você me assustou... Tudo bem?
- Tudo bem, doutor. Tô indo molhar as flores do jardim...


O diálogo foi assim, rápido e rasteiro. Felício se foi. O Doutor, tirando o casaco e afrouxando o impecável colarinho branco, entrou na suíte. Não encontrou a esposa. Na travessia pelo close já se dirigia para a banheira de hidromassagem, quando sua Moniquinha apareceu. Vestia apenas uma generosa toalha, tão branca quanto o seu colarinho. Sua respiração ofegante não passou desapercebida pelo marido. Mas, ele reparou muito mais no contraste de sua pele bronzeada e macia com o tecido claro e felpudo. Ela o beijou amorosamente. E ronronou:

- Que surpresa, meu querido. Achei que você só chegaria lá pela meia-noite...
- Você estava falando com o jardineiro enquanto tomava banho?!?
- Que isso, meu anjo? Ele veio me avisar que ia começar a cuidar das flores.
- Jura?
- Pelo amor dos filhos que um dia ainda vamos ter!


Ele não se deu por satisfeito. Sentia como se estivesse usando uma boina-de-vaca, um capacete de viking, ou coisa parecida. Havia um certo cheiro de adultério no ar. Resolveu livrar-se das suspeitas. Procurou vestígios pelo quarto: camisinha, Viagra, cobertas amarfanhadas, manchas duvidosas, um espermatozóide capenga... Nada. Nenhum indício de deslize, ou de pecado.

Refeito do esforço investigativo, serviu-se de uma dose dupla, de Jack Daniels, seu caubói preferido. Despiu-se, puxou gentil e charmosamente a toalha de Mônica e a levou de volta para a banheira. Bem mais tarde, alma lavada, fumou um Cohiba. Nem sempre onde há fumaça há fogo. E assim o tempo passou.

Até hoje vivem felizes e em perfeita harmonia com os maus hábitos do jardineiro que, volta e meia, por qualquer bobageira, invade a privacidade da casa sem pedir licença. Coisa de criado terceirizado, tipo assim aloprado, sem a devida qualificação. O importante é que o Doutor é feliz como um oligarca tolerante; e Michelle inocente, até prova em contrário.
THE END
A mansão do casal é um refúgio nas proximidades do Congresso Nacional. O lugar ideal para o Doutor e sua Mônica viverem felizes para sempre. Sem ter que provar o quê, nem pra quê.