GAVETA DE CÔMODA
Pequena peça em três atos

I ATO

Aquela mãe diz para a filha de cinco anos que deixe de ser peralta; que não mexa no fogão. A criança não obedece. A mãe grita com ela para que deixe de fazer arteirice. Não é ouvida. Com medo que o leite quente entorne sobre a arteira, dá-lhe um puxão de orelhas. A teimosa volta ao fogão. A mãe, sem jeito e sem autoridade, mete-lhe um par de palmadas pesadas de raiva. A menina chora, mas volta à carga. A mãe vai ao quarto rumo à gaveta da cômoda para pegar o revólver do marido...

II ATO

O senador só abriu o seu segredo de alcova quando a amante lhe apresentou o teste de DNA. Desgostoso, afastou-se do flat do amigo que de lobista virou suco de laranja e mensageiro de pensão. O senador - sem sair de onde estava - foi viver da venda de gado e de laranjais. A jornalista que lhe dava cobertura e até um herdeiro, transformou-se, pela rejeição e suas circunstâncias, em modelo fotográfico da revista Playboy. Para ela agora, mais do que desnudar a alma e mostrar o corpo, sobra a carreira das chanchadas pornográficas. Ou voltar a usar roupa. Ainda tem alternativa. Para ele, resta mentir até o último fio de cabelo. Logo vai ficar careca. Quem sabe vai ao quarto rumo à gaveta da cômoda...

III ATO

Aquele presidente de valorosa república latino-americana que já vendeu a alma ao danado, agora – ao prometer que nas eleições municipais de 2008 vai apoiar os candidatos de quem votar conforme suas ordens – ofereceu o próprio corpo em palanque. Depois de todo pão que repartiu, de todo vinho que derramou, entregou-se de corpo e alma. Já não tem mais nada para oferecer. Tem nas mãos a arma do golpe. Ou a chance de sair do salão dos bailes que tem dado, ir até o quarto, abrir a gaveta e entrar para a História.

THE END
As gavetas das cômodas estavam fechadas a sete chaves. E todos viveram infelizes para sempre.