• O VÔO - Eu pulei o Jardim de Infância. Aos cinco anos entrei direto no primário do São Francisco de Assis, em Pelotas/RS. Minha mãe foi me apresentar à diretora do colégio no primeiro dia de aula. Ela nos recebeu, minutos antes do sino bater, no corredor bem em frente à sua sala de trabalho. Em dado momento, percebi um mosquito pousado no seu antebraço direito. Esbocei um tapa infantil para acabar com o pernilongo. Ela se antecipou e, com um pequeno sopro, livrou-se do bichinho. Com um sorriso doce, diante de meu olhar surpreso, explicou com voz suave o seu gesto: - Deixe voar. Ele tem a vida breve.
• JARDINS DA VIDA - Outro dia, em Brasília, podando as pitangueiras que forram os muros da nossa casa, quase morria de pena ao cortar galhos viçosos e bem desenvildos para que, dali em diante, todos crescessem da mesma altura, em nome de um muro parelho e igual de ponta a ponta. Sob o sol daquela tarde de sexta-feira, o suor me umedecia os pensamentos. E fiquei pensando que os jardins imitam a vida. Você acaba tendo que cortar talentos promissores e bem dotados, para que a obra que você iniciou se transforme numa rede forte e consistente, bonita e de nível bem repartido, para que haja grandeza e equivalência em tudo e por tudo. Os jardins imitam a vida. E são mais justos e sem remorsos.
• O JOGO - Mil anos atrás, eu jogava uma partida do que antes se chamava futebol-de-salão. Era no ginásio de uma unidade da 3a. Região Militar. De repente, olhei para o relógio do placar. Sobre ele havia uma frase de ânimo inigualável: “Lute, ainda falta um segundo”! Faltava mais, faltava meio minuto. O jogo estava 6x1. Para eles.
• MESA DE BAR - Éramos três naquele fim de sexta-feira. Meu amigo dizia para o meu outro amigo, na mesa do antigo bar Cruz de Malta, também em Pelotas: - Desculpe, mas sua mulher anda te enganando. O traído foi às lágrimas. Mais pela gratidão à franqueza do parceiro do que pela ingratidão da esposa. O papo acabou logo. O esclarecido chifrudo foi para casa. E eu fiquei bebendo com o amante da mulher dele, até altas madrugadas de sábado. Nos bares da vida há verdades e verdades-absolutas.
• NÃO ME CHAMO RAIMUNDO - Coma-se o mundo! Coma-se todo mundo! Ninguém, jamais, vai deixar você ser o que pensa que pode ser.